quarta-feira, 31 de março de 2010

Saudades

 Para onde ou para quem você corria quando fazia uma travessura de criança, e queria se esconder das punições de mãe ou de pai? Não sei qual era o seu refúgio. O meu era o colo da minha avó, sempre acolhedor e receptivo. Ela sempre secava as minhas lágrimas, deitava minha cabeça nos eu colo e acariciava meus cabelos, dizendo palavras tão doces, que me faziam embalar num agradável sono.

A minha avó foi a pessoa mais batalhadora, esforçada e humana que eu já conheci, sua história de vida é digna de um livro. Sua conduta de vida sempre foi um grande exemplo para mim, ela nunca reclamava de nada, sempre lutou pelas coisas que queria, sempre soube perdoar e estender suas mãos para quem necessitava, nunca perdeu a fé, nunca deixou de acreditar nas coisas boas, nunca deixou de acreditar na cura.

Por todos os lugares que a via passar ela deixava mensagens de esperança, de paciência, de amor, ela fazia amizades facilmente, com pessoas de todas as idades, principalmente pelos hospitais e clínicas de fisioterapia por onde passava.

A sua mente era tão sã, que mesmo após os mais de 80 anos não deixara de ter uma memória prodigiosa, e seus sentidos eram mais aguçados do que os de muitos jovens.

Quando cuidava de mim e de meu irmão enquanto meus pais trabalhavam, ela já tinha 70 anos. Eu me lembro das estórias que ela contava para nos distrair, eram histórias sobre a sua vida, sua infância, histórias que minha bisavó, que era índia lhe contava, além dos clássicos como gato de botas, Rapunzel, que estavam impressas e desenhadas nos dois lindos livros de fábulas que ela tinha. Ela nos estimulou a estudar, a ler, mesmo sendo analfabeta.

Os seus olhos com o passar do tempo, ficaram cada vez mais carregados de doçura, eram tão reluzentes quanto os olhos de uma criança, assim como o seu paladar, que preferia doces, chocolate, biscoitos e iogurtes.

O único empecilho que a incomodou, mas não a limitou foram seus joelhos, que após tantos anos de trabalho, apresentaram os sintomas mais dolorosos da osteoporose e artrose. Mas isso não a impediu de lutar, mesmo quando as forças estavam escassas, o que a fez vir a se locomover com uma cadeira de rodas, ela não se deu por vencida e em poucos meses com exercícios e fisioterapia ela já estava andando normalmente novamente, com passos lentos, mas firmes.

No mês passado, em fevereiro, dia 19, completou um ano que ela faleceu. Um ano sem minha avó. Seu quarto vazio, seu canto no sofá da sala vazio, mas ainda assim, cheios da sua presença.

Nunca vou me esquecer dos últimos dias que estive com ela. Em um horário de visita no hospital, eu fui com meu tio vê-la, conversamos com ela, demos comida para ela. E no momento de despedida, ela segurou forte a minha mãe, e não queria me deixar sair, pedindo para que eu ficasse. E eu contendo as lágrimas, disse que eu só ia comer um lanche, e que depois voltaria para ficar com ela. Ao que ela disse “Lanche, não. Não coma lanche minha filha, coma comida, arroz e feijão. Lanche não faz bem”.

Até o último suspiro ela lutou para vencer a pneumonia que a acometeu. Ela esteve quase um mês internada, chegou a ficar duas vezes na UTI, mas progredia e voltava para o quarto. O exemplo mais fiel de luta, persistência e fé que eu conheci, foi a minha avó, a guerreira dona Maria Inês.


Tua palavra, tua história,

Tua verdade fazendo escola,

E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar [...].

Só enquanto eu respirar, vou me lembrar de você. ( O anjo mais velho - O Teatro Mágico)